13 de janeiro de 2009

USINA DO GASÔMETRO | variação número três... quatro... cinco... seis...


"Não haverá sido o cine uma espécie de transtorno que torna cada vez mais impossível uma separação da imagem, a qual remeteria a uma consciência e um movimento ao qual remeteria aos corpos?"  Deleuze


Estados Corpóreos tem sido uma experiência de criação e realização compartilhadas. Surgida em um primeiro encontro entre a Lu e o Fabio, a bailarina e o músico, que acalentaram a possibilidade de realizar um espetáculo onde o corpo da bailarina, com seus gestos, seus ritmos e movimentos entrassem em contato com a música. Estados corpóreos confrontados além de seus movimentos interiores, com o que vem de fora, a música, que impõe o seu tempo. Tempo que nas composições do Fabio é quebrado, ritmos desconstruídos, distendidos... 

Através desses tempos, um outro encontro: o vídeo, que foi sendo incorporado na prática dos ensaios e primeiras “variações” que apresentamos ainda em 2007. Encontro da música e do vídeo que já teve lugar em 2003, quando do show de lançamento do cd “Cantigas”, em que as Cronovideografias foram projetadas no palco do Renascença e o Fabio improvisou uma trilha ao vivo com o fagote. Ali já havia essa sincronia, essa empatia, entre o trabalho musical do Fabio com seus tempos e não-tempos e este vídeo, com sua narrativa fragmentada, sua edição cheia de reiterações, silêncios e ritmos. As imagens desse vídeo foram tiradas de fotos de Muybridge, da série Mulher/chutando. A “mulherzinha” era o corpo que interagia com a música e o vídeo. Nas nossas apresentações, o corpo da bailarina e o corpo desta imagem se encontram e se tocam. Em cada espaço, um tempo e um encontro diferentes. 

Para a Lu, o vídeo a princípio preenchia alguns vazios da cena: em Geiser, onde ela faz movimentos horizontais, no chão, sobre um “pequeno retângulo”, a visão da platéia fica dificultada, e o vídeo apresenta então um outro ângulo de visão. 

Mas com o tempo, não só o vídeo, mas também a luz, foram criando “outros corpos” para o espetáculo. Na primeira experiência que fizemos juntos, participando do Projeto Percursos em setembro de 2007, fizemos uma apresentação na Galeria do DMAE. Lá, a luz, criada por Mirco Zanini, projetava a sombra do(s) corpo(s) nas paredes. Além das projeções em vídeo, haviam essas sombras que criavam imagens. Em outra “variação”, já no palco do Renascença em 2008 e já com Bathista Freire na equipe, a iluminação dava o recorte com que o corpo da bailarina era visto. A luz recorta o espaço e cria essas passagens de estados. Comecei a perceber também, que nas últimas “variações” e nas apresentações na Usina, nesta semana, o vídeo cria reverberações desse corpo. O corpo da bailarina, especialmente na segunda cena, no caroço, é duplicado na projeção, e espelhado pra quem vê da platéia. Há um pequeno estranhamento. Diferentemente da primeira cena, em que podemos perceber pequenos movimentos no corpo da bailarina, e que crescem, como se fossem nascendo do interior. Com o vídeo, o corpo dela ganha outros corpos. A imagem do corpo é multiplicada. Vemos, simultaneamente, o seu corpo(?), e as imagens de seu corpo... Parece que o corpo vira imagem... A imagem ganha corpo. E os movimentos, transcendem já esse corpo, entrando em contato com a música, com a luz e se transformando. Os estados corpóreos se abstraem... Estão em movimento... Que corpo é esse? O que acontece ali? 

A função do vídeo nesse trabalho, não é ser espetacular. Não tem a intenção de ser mais um recurso estético que possa impressionar a platéia. O vídeo entra “em comunhão” com a música, a dança e a luz, nessa prática de improviso e experimentação que dá a tônica aos “estados corpóreos”. Ele ajuda a mexer com a nossa percepção desses corpos e dessas imagens que a música e a dança criam. Imagens que criam sentidos.  

Estes quatro dias de apresentação na Usina, funcionaram como mais um ensaio, uma preparação e um espaço para experimentar, da coreografia, à música, à luz, ao vídeo. Cada dia algo um pouco diferente acontece, como afirma a Lu. A música do Fabio tem uma energia diferente, a luz uma nova afinação, o vídeo um outro ângulo. Acrescentamos alguma novidade nas últimas cenas. Tudo tem um pouco de improviso. Um improviso controlado, mas improviso. No sábado, mais do que em outros dias, quando a Lu caiu... Caiu no chão com a perna de pau e teve que terminar a cena em uma perna só. Mas não parou, depois de um primeiro momento de susto continuou a cena, como se nada tivesse acontecido e ainda com uma expressão e desenvoltura maior do que nos outros dias. 

Na usina a experiência é importante porque não há palco, estamos no mesmo chão em que está a platéia. O espaço é menor, há menos estrutura pra se trabalhar, o que implica em uma adequação da dança, da luz, das projeções, mas isso tudo é ponto de partida, pra um trabalho que não está “fechado”, que guardo um espaço importante pra experimentação. 

O bacana dessa experiência é o fato de toda a equipe de criação estar no palco, juntos. A energia que rola nas cenas frui ali, atrás do pano. E o Bathista está ali junto, eu e o Juliano, mesmo sem entrar “em cena”, o que aos poucos vai acontecendo! O Bathista participa fazendo a luz dançar em uma das cenas... 

Esta semana, a volta ao Renascença. Com mais estrutura, mais espaço pra trabalhar. E mais energia. Mais um desafio e mais uma variação. 

Texto: Marcelo Gobatto

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